O enólogo chileno Marcelo Papa, um dos grandes nomes da enologia mundial, considerado o enólogo do ano durante 2019, apresentou em degustação comentada os principais rótulos da Marques de Casa Concha. Hoje diretor técnico da Concha y Toro e responsável pelos vinhos Casillero del Diablo e Marques de Casa Concha, Marcelo tem acompanhado a tendência do Chile de produzir vinhos mais elegantes, com menos fruta madura e madeira mais equilibrada, uma nova proposta que vem moldando um novo Chile nos últimos anos.

Winemaker Marcelo Papa in Concha y Toro’s Casilliero del Diablo wine cellar in Pirque, Chile, near Santiago

VINICOLA – Hoje você está como diretor técnico da Concha y Toro. Mas também é o enólogo responsável pelo Casillero del Diablo e pela linha de Marques de Casa Concha. Como você diferenciaria esses produtos?

PAPA – São vinhos muito diferentes, e atendem a diferentes públicos. Com Casillero del Diablo queremos mostrar que podemos fazer grandes vinhos em larga escala através de uma marca que tem varias linhas, em distintas categorias de preços, mas sempre com uma grande  relação custo-qualidade, enquanto que com Marques de Casa Concha queremos refletir uma origem particular, mostrando a potencialidade de cada cepa e o terroir da qual se originam. Há um trabalho muito forte com Marques de Casa Concha nessa linha, que visa buscar a melhor origem para cada uma de suas variedades.

VINICOLA – Como você vê o posicionamento do vinho chileno hoje perante o mercado internacional?  Houve uma mudança nos últimos 20 anos, não?

PAPA – Sem dúvida. Há 20 anos o vinho chileno era muito diferente. Uma aposta segura de qualidade e bom preço, mas talvez, um pouco uniforme. Hoje o cenário vitivinícola nacional é muito dinâmico e ativo, com uma grande quantidade de vinícolas fazendo diferentes coisas, muitos enólogos especializados, e com o compromisso geral de mostras as diferentes particularidades de cada terroir.

VINICOLA – Por muito tempo os vinhos do Novo Mundo, principalmente Chile e Argentina, foram impactados pela opinião de críticos estrangeiros. Você acha que esse momento passou? Que agora será uma era de libertação, uma possibilidade de expressão pessoal livre de paradigmas, de experimentações para cada país?

PAPA – Claro que a opinião dos críticos de vinho é muito importante para quem está na indústria, mas não se pode perder o foco. O mais importante é fazer vinhos que as pessoas sintam serem honestos, que tenham uma proposta e que o consumidor perceba o que estão apostando. Os que dizem os críticos hoje é muito bem vindo, mas temos que fincar os pés no chão.

VINICOLA – O Chile é um país conhecido por sua veia tradicionalista na hora de produzir de vinhos, a Marques de Casa Concha poderia ser um dos melhores exemplos disso. Mas, os clássicos também precisam evoluir, não acha? Como você trabalha essa questão?

PAPA – Marques de Casa Concha é uma marca muito sólida e consistente, com uma grande trajetória e prestígio. Nesse sentido, a marca está bem consolidada junto ao consumidor, que reconhece a qualidade presente em todos os vinhos da linha, e que ao mesmo tempo, valoriza seu dinamismo, inovação e compromisso em buscar a melhor origem para cada uma de suas variedades. Através dos anos, temos feito um trabalho consistente em incorporar certos elementos aos vinhos que tem permitido manter uma linha variada, muito dinâmica e com forte olhar para o futuro.

VINICOLA – Em meados dos anos 90 vocês produziam vinhos mais corpulentos, mais alcoolicos e robustos, bem ao estilo dos novos mercados como o norte-americano. Quando foi que percebeu que era hora de mudar?

PAPA – Foi um trabalho paulatino e gradual, fomos nos dando conta de que queríamos ressaltar essa fruta vermelha fresca e que para isso, deveríamos realizar algumas mudanças no manejo do vinhedo e na vinificação. O resultado são vinhos com muita expressão frutada, frescos e que convidam a beber mais que uma taça.

VINICOLA – Essa mudança de estilo de vinho exigiu alterações nos vinhedos, certo? O que mais mudou nas técnicas de vinificação?

PAPA – Uma das mudanças importantes que estamos fazendo em Marques de Casa Concha nos últimos 5, 6 anos é que estamos tentando cortar as uvas mais cedo do que havíamos feito entre 5 e dez anos atrás. Para isso, durante a floração temos removido as folhas de tal maneira que as flores e raízes vão ficando expostas ao sol. Todo esse trabalho de ir removendo as folhas e deixar as frutas mais expostas finalmente nos dá a possibilidade de cortar a uva mais cedo, provavelmente cerca de 3 semanas a um mês antes do que estávamos fazendo há 3, 4 anos. Finalmente, o resultado são vinhos mais bebíveis, mais frutados de menor graduação alcóolica. Temos tentado baixar um pouco a quantidade de madeira em barricas novas, e, portanto, espero que sejam vinhos que agradem ao consumidor.

VINICOLA – Quando conversamos, você falou da importância da valorização do terroir. Como está a divisão dos vinhedos da Marques de Casa Concha e como isso impacta no resultado final do produto?

PAPA – É crucial. A seleção dos vinhedos em que se plantam as cepas de Marques de Casa Concha requer muito estudo e observação. Entender que as condições sejam ótimas para o tipo de vinho que queremos fazer é a chave. Descobrir o potencial de Limarí, por exemplo, nos permitiu compreender que não existe no Chile lugar melhor, a nosso parecer, para fazer o Marques de Casa Concha Chardonnay e Pinot Noir. Esse frescor e mineralidade só podemos encontrar aqui e é justamente o que tentamos entregar nos vinhos : a identidade de terroir.

VINICOLA – Você diria que o seu Marques Chardonnay seria o vinho que melhor exemplifica essa proposta que você tanto almejou? Colheita antecipada, valorização do terroir e uso de botes?

PAPA – Sim, me atreveria a dizer que sim. Marques de Casa Concha Chardonnay é um vinho fresco e elegante, de boa acidez, alta mineralidade, e que expressa muito bem as características de sua origem. Esse solo, alto em carbonato de cálcio, entrega essa mineralidade, o que lhe torna muito atrativo. Por outra parte, as brisas frescas da costa sopram diretamente até o vale e moderam a temperatura, o que, combinado com as típicas manhãs nubladas e a luz indireta sobre as uvas durante grande parte do dia, permitem maturação lenta e prolongada da fruta, o que leva a vinhos mais frescos. Podemos dizer que é um entorno perfeito para a Chardonnay.

VINICOLA – Seu rosé de Cinsault está sendo muito elogiado. Você diria que conseguiu produzir um rosé com a elegância dos exemplares da Provence?

PAPA – Marques de Casa Concha Rosé é elaborado com 90% de uvas da Cepa Cinsault e 10% de Grenache, proveniente de parreiras velhas na zona de Trehuaco, no vale de Itata, a 18 km do mar. O vinho passou 7 meses de guarda, 85% em ânforas de concreto e 15% em barricas francesas de primeiro uso .

Quisemos fazer este vinho ao estilo dos melhores rosés do mundo, com uma cor damasco pálido, notas de romã e melão rosado. De estilo seco, em boca se mostra suave e cremoso, com notas minerais, frescas e delicadas. Quisemos incorporar MCC Rosé à linha para oferecer um vinho elegante de estilo seco, delicado, mas complexo e muito frutado, que se distancia de outros rosés que se podem encontrar no Chile atualmente.

VINICOLA – Você também produz um espumante na região de Limarí, não é?

PAPA – Efetivamente temos um espumante de Limarí – Subercaseaux Grande Cuvée, que é uma mescla de Chardonnnay e Pinot Noir, provenientes da ribeira sobre o rio Limarí, no Vale de Limarí. O método de elaboração do Grande Cuvée é o tradicional champenoise, pouco frequente no mercado chileno, que traz complexidade aromática e gustativa ao vinho. É um processo que exige muitos detalhes, muito minucioso, porque demanda muita atenção e cuidados. A segunda fermentação se produz em garrafa, sendo um método mais lento e que entrega um vinho mais elegante, sofisticado e complexo.

VINICOLA – E o aclamado Etiqueta Negra, seria um irmão “abusado e ousado” de Don Melchor?

PAPA – Não, supostamente que não. Marques de Casa Concha Etiqueta Negra vem do vinhedo El Mariscal, no vale do Maipo e é um vinho de corte (assemblage) tinto, top de linha, de grande elegância e complexidade e com um forte sentido de origem. O vinho se compõe de Cabernet Sauvignon (62%), Cabernet Franc (30%) e Petit Verdot (8%), cada uma das variedades trazendo uma característica especifica ao conjunto final, que irá variando de safra em safra. Dessa forma, a Cabernet Sauvignon entrega estrutura, enquanto que a Cabernet Franc contribui com o caráter frutado, e a Petit Verdot aporta complexidade. Isto, somado à guarda e barricas francesas, resulta em um vinho de taninos firme, madeira bem integrada, grande corpo, caráter, equilíbrio e potência.

VINICOLA – Por fim, podemos esperar alguma novidade da Marques de Casa Concha?

PAPA – Sempre estamos preparando novidades com a marca, e o Brasil é um mercado importante para nós, assim, certamente estaremos apresentando novidades para o próximo ano.

Fotos: Divulgação / Concha y Toro

Entrevista concedida com exclusividade para a Revista Vinicola

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