Eleito o “enólogo do ano” de Portugal em 2016, Jorge Serôdio Borges concedeu uma entrevista exclusiva para a Revista Vinicola em passagem pelo Brasil. Jorge veio a Curitiba apresentar seus aclamados vinhos a convite da Adega Alentejana numa seleta degustação no tradicional Clube Curitibano. O evento contou com o apoio e organização da Adega e Empório Presenza, das irmãs Gisele e Cristina Stumm.

VINICOLA – Sua família é centenária na história do vinho português. Certamente essa paixão pelo vinho sempre correu nas suas veias, mas quando foi que você realmente percebeu que era esse o seu projeto de vida?

JORGE – De fato a minha paixão pelo vinho foi aparecendo naturalmente na minha cabeça. Sou a 5ª geração da família a trabalhar como enólogo. O meu pai morreu quando eu tinha apenas 10 anos, mas apesar disso guardo muitas memórias dos tempos que passava com ele nas vinícolas da família, brincava com carrinhos ou jogava futebol no meio das barricas. Já numa fase mais adulta, tive o privilégio de aprender com o meu avô, que sempre foi um homem muito respeitado neste meio. Daí que, sinceramente, não me lembro do momento em que tomei a decisão de seguir esta profissão, foi tudo muito natural… ou era isto ou seria piloto de automóveis, algo que faço hoje como hobbie. 

VINICOLA – Você trabalhou com alguns dos melhores do setor e lançou-se por conta própria, como enólogo e empresário. A sua escola sempre foi a portuguesa ou você se aventurou mundo afora também?

JORGE – A minha escola foi sempre portuguesa, fiz a Universidade de Enologia na UTAD, mas fiz um programa Erasmus (intercâmbio de alunos europeus universitários) na Itália. 

Sempre fui um homem do mundo e a visita a várias regiões vinícolas e contato com enólogos de referência foi sempre fundamental para a minha formação.

VINICOLA – Você foi agraciado recentemente com o “Oscar do Vinho”, eleito o melhor enólogo português em 2016. Num momento em que Portugal está em evidência pela qualidade dos seus inovadores enólogos, como foi para você receber esse reconhecimento?

JORGE – Sempre que recebo um prêmio é obviamente uma sensação muito boa, mas tenho perfeita consciência de que todos estes prêmios só são possíveis se toda a minha equipe tiver a mesma preocupação com a qualidade que eu tenho e por isso as minhas primeiras palavras são sempre para eles, porque, de fato, não se consegue ter sucesso sem uma equipe de qualidade ao nosso lado. E temos a sorte de trabalhar com as pessoas certas. Hoje temos 10 colaboradores entre o trabalho nos vinhedos e na vinícola.

VINICOLA – Você acredita que Portugal está passando por um momento de renovação quanto à maneira de produzir vinhos no Douro?  Buscando, talvez, um novo estilo de vinho?

JORGE – Sem dúvida! O Douro tem uma história de séculos sobre produzir vinho do Porto, o que a faz ser a região com mais história e tradições no vinho em Portugal. No entanto, soube libertar-se nos últimos 20 anos do peso que representa essa história e está passando por uma fase de reinvenção que tem sido a criação dos novos vinhos do Douro para além do histórico vinho do Porto.

Um exemplo dessa nova vida do Douro é a minha própria família, que depois de várias gerações 100% dedicadas ao vinho do Porto, eu sou o primeiro a fazer, além de Porto, também vinhos do Douro.

Considero um privilégio poder fazer parte desta geração de enólogos que estão desenvolvendo e descobrindo novos valores desta região.

VINICOLA – Você é casado com a renomada enóloga Sandra Tavares da Silva, juntos criaram vinhos icônicos. Como é trabalhar com sua esposa num projeto tão pessoal? Não gera uma certa concorrência?

JORGE – Pode parecer romântico, mas a resposta é que não há concorrência. No dia a dia na adega não nos vemos como marido/mulher, mas sim, como dois profissionais que se respeitam profundamente e que as discórdias – que existem – só vão melhorar o produto final. Discutir e colocar em pauta é sempre útil quando queremos melhorar.

Pode parecer romântico, mas a resposta é que não há concorrência. No dia a dia não nos vemos como marido/mulher, mas sim, como dois profissionais que se respeitam profundamente e que as discórdias – que existem – só vão melhorar o produto final.

VINICOLA – Dessa união nasceram três filhos, mas podemos dizer que o 4º bebê de vocês é o aclamado vinho Pintas, o primeiro que produziram juntos. Como foi a criação desse ícone do Douro?

JORGE – O Pintas nasceu antes do nosso primeiro filho e, provavelmente, só conseguimos ter o sucesso que tivemos desde o primeiro momento, porque, de fato, não havia filhos. 

Nós dois trabalhávamos para empresas diferentes e um dia tivemos o sonho de fazer o nosso próprio vinho, onde poderíamos criar o nosso vinho perfeito. Esse era o objetivo inicial, nunca naquele momento imaginamos chegar onde estamos. A dedicação ao vinho era total naquele tempo. 

Apostamos tudo o que tínhamos e que sabíamos no Pintas, e fruto disso, a primeira colheita foi cheia de muitos momentos imprevistos e de nervosismo. O Pintas 2001 foi, talvez, o mais difícil de fazer de todas as 16 safras que já fizemos.

Como não tínhamos nada, nem vinha, nem adega, tivemos que procurar o vinhedo ideal. Para concretizar o nosso sonho procuramos uma vinha velha – hoje tem 87 anos –, a idade dos vinhedos é uma ajuda muito importante para a qualidade das uvas.  Sempre quisemos criar um vinho autêntico do Douro que demostrasse todo o potencial deste magnífico terroir. Uma vinha com as castas autóctones era fundamental, no caso, temos mais de vinte uvas diferentes plantadas. Encontramos um vinhedo com essas características no vale do Pinhão, que sempre foi uma área bem conhecida pela sua identidade e qualidade dos vinhos lá produzidos. Hoje o Pintas é um vinho que espelha bem todo o potencial que o Douro tem, porque a partir de um vinhedo desconhecido e desaproveitado durante 70 anos, conseguimos criar um ícone português. 

É um vinho muito especial, produzido com pisa a pé e que estagia em barricas de carvalho francês durante 20 meses. São produzidas apenas 5 a 6 mil garrafas.

VINICOLA – E por que a escolha do nome Pintas?

JORGE – Como não tínhamos um nome de uma Quinta para dar ao vinho, a Sandra lembrou-se de prestigiar o nosso cachorro dando ao vinho o seu nome. Na altura foi um pouco estranho para mim, mas às vezes os maridos não têm palavra a dizer e, hoje, reconheço que foi a melhor opção! A Sandra estava certa!

VINICOLA – Quais são os outros vinhos que produzem juntos?

JORGE – Produzimos o Guru, que é um branco distinto e tal como o Pintas é um vinho muito especial. Também um ícone dos vinhos brancos portugueses. Compramos alguns vinhedos muito velhos, num terroir particular, que nos permite fazer um vinho branco de grande classe.

Temos o Pintas Character, que resulta de cinco pequenos vinhedos muito próximos do Pintas, com a mistura de castas tradicional do Douro, onde mais de 20 estão misturadas nos vinhedos. É um vinho clássico do Douro, com uma enorme complexidade e classe. Depois da pisa a pé, passa por um estágio de 18 meses em barricas de carvalho francês. Com um custo acessível, temos um vinho com uma capacidade de guarda de 20 anos.

A gama Manoella é composta por dois vinhos: o Manoella é um vinho vibrante, fresco e elegante. Nesta faixa de preço é de fato um vinho diferente e são essas sensações diferentes que tem surpreendido e o ajudado a alcançar o sucesso comercial que tem tido desde o seu lançamento em 2010. As uvas são Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz e Tinta Francisca. Estagia durante 16 meses em barricas francesas usadas.

Depois temos outro ícone que é o Quinta da Manoella Vinhas Velhas. Este é também um vinho muito especial, cheio de caráter e identidade. Resultado de uma vinha centenária que foi plantada pelo meu trisavô. Mais de trinta uvas diferentes facilitam a criação de um vinho de classe mundial. Elegância, complexidade e terroir são palavras que encaixam muito bem neste Quinta da Manoella. A pisa a pé é feita em lagares de pedra de granito e fermenta a temperaturas mais baixas do que o normal para preservar a elegância. Estágio longo de 20 a 22 meses em barricas de carvalho francês e uma produção de apenas 3 a 4 mil garrafas. É o vinho que produzimos em menor quantidade.

VINICOLA – Conte-nos um pouco mais sobre o vinho que produz a seis mãos no Dão junto dos enólogos Jorge Moreira e Francisco de Olazabal?

JORGE – O MOB são, antes de tudo, as iniciais dos nossos nomes Moreira, Olazabal, Borges.

É um projeto que iniciou em 2011 com o aluguel de uma vinícola no coração da região do Dão, muito perto de Gouveia. Temos 15 hectares de vinhedos com idades que variam de 20 anos a 80 anos. A nossa sedução pela região do Dão já vem de há muito tempo. O Dão foi até ao início da década de 80 a região de referência nos vinhos secos portugueses e, hoje, quando queremos tomar um vinho com idade de Portugal (30 anos ou mais) é altamente provável que esse vinho seja do Dão.

Esta região, assim como o Douro, tem uma enorme diversidade de castas autóctones que favorecem a diferença. Depois, só para terem uma ideia de estilo, é considerada a região mais próxima da Borgonha em termos de perfil, ou seja, a elegância é o descritivo dominante na região. Podemos fazer vinhos com baixo teor alcoólico sem, contudo, perder a complexidade. Sendo nós três, enólogos do Douro, foi de fato a possibilidade que tivemos de criar vinhos com perfil radicalmente diferente daquilo que cada um faz no Douro, que nos fez avançar para esta aventura que até agora tem sido extremamente enriquecedora do ponto de vista profissional e pessoal.

Além disso, acreditamos que o Dão vai voltar a ter o seu tempo áureo e nós já estamos por aqui!

VINICOLA – Há uns 10 anos vocês receberam como herança a Quinta da Manoella, propriedade que pertence a sua família há mais de 200 anos, o que dizer desse terroir? Seria essa quinta a sua “menina dos olhos”? 

JORGE – Sim, é uma Quinta que já está na família há cinco gerações e que sempre foi uma referência pelos seus vinhos do Porto Tawnies. Até 2009, que foi quando nós assumimos a gestão, foi uma Quinta virada para a produção de Porto Tawny. Esse foi o negócio da minha família, produzir vinho do Porto, envelhecê-lo e depois vendê-lo às casas exportadoras. Nós acabamos com esse negócio e passamos a engarrafar todos os vinhos lá produzidos.

A Quinta da Manoella tem um terroir muito particular, pois com os seus 60 hectares de terreno, temos apenas menos de 20 com vinhedo e todo o demais é uma enorme floresta. Essa diversidade de cultura influencia as vinhas, aumentando a umidade relativa e diminuindo a temperatura do ar, sobretudo, durante a noite. Tudo isto aumenta a elegância e retira concentração. O perfil dos vinhos da Manoella é assumidamente mais fino e sutil do que o perfil mais intenso e concentrado dos vinhos Pintas. Ou seja, não estamos a discutir qualidade, mas sim diferenças de estilo. 

Sobre essa quinta ser a menina dos meus olhos, não tenho verdadeira resposta para essa pergunta, porque os vinhedos do Pintas foram comprados com um enorme esforço, o que também tem enorme simbolismo para nós. A Quinta da Manoella tem o peso de várias gerações e o fato de ter me visto crescer… ambos os casos são especiais à sua maneira. 

VINICOLA – Em 2001 você e sua esposa iniciaram o projeto Wine & Soul, cujo grande desafio era a procura por vinhas excepcionais no vale do Pinhão. Dezesseis anos depois, como você vê esse projeto pessoal? Podemos esperar mais novidades para breve?

JORGE – Em 2001, quando iniciamos esta aventura, seguimos a intuição de concretização de um sonho que era fazer um grande vinho do Douro e que fizesse jus a todo o potencial que esta magnífica região tem. Apesar de todo o sucesso que temos tido desde o início, o sonho ainda não acabou e, constantemente, procuramos fazer melhor. Estamos muito orgulhosos do que já conseguimos concretizar, mas conscientes de que não podemos parar de sonhar e manter bem viva a vontade de querer melhorar todos os dias. Vamos sempre definindo novos diferentes objetivos, mas quando os concretizamos, nem temos tempo de saboreá-los, pois outros já estão no pensamento.

A empresa foi se desenvolvendo e crescendo, mas sempre com uma base muito sólida. A nossa aposta foi, até agora, na compra de vinhedos especiais. Hoje temos 28 hectares. Agora é hora de investir na infraestrutura da adega e, para esta colheita, vamos inaugurar uma nova sala de visitas, laboratório e sala de degustação. A ampliação da adega será o próximo passo.

Quanto a vinhos novos, vamos fazendo experiências faz parte do nosso conhecimento, mas comercialmente preferimos manter o foco nos nossos rótulos atuais e trabalhar para melhorar a cada safra que fazemos.


** Entrevista concedida com exclusividade para a Revista Vinicola.

Foto Jorge: Cintya Hein

Fotos vinhos e vinhedos: Divulgação

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