Até pouco tempo atrás muitos produtores enchiam o peito para falar do longo estágio que seus vinhos passavam por novíssimas barricas de carvalho, após terem fermentado em modernos tanques de inox com temperatura controlada usando leveduras selecionadas. Os holofotes estavam na habilidade do enólogo em usar uma série de equipamentos vitícolas que o permitiam – e ainda permitem –  fazer um vinho correto ou muito bom segundo a qualidade da uva que se tenha.

Não há dúvidas que os avanços tecnológicos promoveram crescimentos e melhorias na indústria vinícola. Atualmente uma grande finca/viña/estate é capaz de produzir milhões de litros sem os imprevistos ou defeitos que poderia enfrentar sem estes recursos. A uniformidade dos seus vinhos ano após ano é algo respeitável. Porém, enólogos criativos parecem ter se cansado da mesmice. Se deram conta que para se diferenciar num mercado tão competitivo – onde um mar de rótulos inundam as prateleiras das lojas e as grandes empresas dominam as exportações – não basta produzir mais do mesmo para atrair o consumidor.

As atenções então se voltaram ao vinhedo, visto como um ser vivo que deve ser bem cuidado para que presenteie o homem com bons frutos. O manejo do solo e das plantas é quase homeopático: através de preparados com ervas medicinais cura-se a terra, curam-se as plantas e espantam-se as pragas da maneira mais natural possível. Sem venenos, adubos químicos ou quaisquer pesticidas industriais.  Busca-se um equilíbrio natural do vinhedo, onde cavalos fazem o arado, galinhas e ovinos pastam e comem insetos daninhos, além de aportar esterco para os compostos de adubação do solo.

A filosofia de trabalho mais artesanal e menos tecnológica se estende as cantinas. Com uvas tão sanas a transformação em vinho acontece naturalmente. A fermentação com leveduras próprias da uva – chamadas indígenas ou nativas – se dá de forma plena.  Como resultado os vinhos são mais transparentes, sem maquiagem ou manipulações excessivas durante a sua elaboração.  Os recipientes de fermentação passam a se espelhar nos formatos ovoides do passado. Partindo do princípio de que o ovo é a forma perfeita: sem arestas, sem cantos, simbolizando a origem da vida.

O uso destes recipientes apresenta diversas vantagens, a começar pela forma. O vinho circula em tanques ovais de forma livre, sem que sejam necessárias inúmeras remontagens diárias feitas por bombas mecânicas para uma maceração eficiente do mosto. Dita prática, necessária nos tanques de inox, acaba comprometendo a integridade do mosto, que perde compostos aromáticos.

Outra vantagem é o material. Feitos de cimento ou argila, estes recipientes mantém temperatura constate – fundamental para sobrevivência das leveduras – e permitem que o vinho respire através de seus poros naturais, evitando assim problemas de interrupção na fermentação por temperaturas muito altas ou falta de oxigênio.

Vinhos naturais elaborados em ovos de cimento e ânforas de argila têm produzido resultados surpreendentes. De delicados e frescos a complexos e encorpados caldos, ambos criados de forma natural, com a menor manipulação humana possível.  Vinhos honestos, fluídos no paladar que resgatam o romantismo de cultivar uvas e deixa-las fermentar naturalmente. Tal como faziam nossos antepassados.  Tal como o vinho uma vez surgiu.

A seguir, algumas sugestões de vinhos elaborados através desta filosofia de trabalho disponíveis no mercado brasileiro:

EGGO Tinto de Tizza, Zorzal, Vale de Uco, Mendoza (enólogos Juan Pablo e Matias Michelini) – eleito o melhor vinho tinto argentino de 2014 pelo guia Descorchados é  produto de uma cofermentação de Malbec com toques de Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon. Um tinto de grande estrutura, muito boa acidez e mineralidade, fermentado e criado unicamente em ovos de cimento.


Diverso Syrah, Passionate Wines, Vale de Uco, Mendoza (enólogo Matias Michelini) – eleito o melhor Syrah argentinode 2014 pelo guia Descorchados é feito de uvas 100% ecológicas, que cresceram sem qualquer tratamento no vinhedo. Fermentadasem ovosde cimento produziram um vinho fresco, delicado e fácil de tomar, ótimo para harmonizações.


Viejas Tinajas Muscat, DeMartino, Itata (enólogo Marcelo Retamal) – surpreendente vinho laranja, obtido através da fermentação das uvas inteiras em ânforas de argila centenárias resgatadas dos indígenas chilenos. A casca além de conferir uma bela cor dá aromas intensos a tangerinas, laranjas e flores brancas. Eleito melhor vinho de uvas brancas pelo Descorchados 2015.


Syranoir, Bodegas RE, Casablanca (enólogo Pablo Morandé). Este tinto suculento e fácil de tomar é um corte inusitado de Syrah e Pinot Noir fermentadas em conjunto em tanques de cimento.  Elaborado por nada menos que o desbravador do vale de Casablanca, Pablo Morandé, em seu projeto familiar. Outra de suas invenções imperdíveis é o Pinotel (um delicado e aromático rosé produzido a partir do inusitado corte de Pinot Noir temperado com Moscatel).

Fotos: Divulgação


Wagner Gabardo

Professor há mais de dez anos, dita cursos e palestras em cidades do Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil. Mestrando em Turismo pela UFPR onde pesquisa Enoturismo, é Especialista em Enologia e Viticultura pela UTP-Brasil e Tecnólogo em Sommelerie pelo CAVE, Argentina.

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